POR ABSOLUTA FALTA DO QUE FAZER, FIQUEI ONTEM, ENQUANTO BEBIA UMA CERVEJA VENDO UM JOGO BOBO DA COPA DO MUNDO, ME PERGUNTANDO EM QUE ÉPOCA DA MINHA VIDA DESCOBRI A CERVEJA. NÃO ENCONTREI, DE PRIMEIRA, UMA RESPOSTA CONVINCENTE. TERIA SIDO AOS DEZOITO ANOS, QUANDO IA À GALERIA DEZON EM COPACABANA, ONDE SE CONVERSAVA A RESPEITO DE TUDO, SE CONHECIA GENTE INTERESSANTE E SE BEBIA TAMBÉM CERVEJA? SIM, NA DEZON EU JÁ BEBIA CERVEJA, MAS AINDA NÃO A "DESCOBRIRA". NOS ANOS SESSENTA, QUALQUER BEBIDA PARA MIM TINHA PAPEL SECUNDÁRIO. EU PODIA FICAR HORAS E HORAS CONVERSANDO, SEM NEM LEMBRAR DE TEMPERAR O PAPO COM UM DRINK FORTE OU FRACO. BEBIA, MAS A BEBIDA TINHA AINDA PARA MIM UM CARATER MERAMENTE ACESSÓRIO. NA DEZON CONHECI GENTE COMO ENEIDA, LÚCIO CARDOSO, FLÁVIO DE CARVALHO, CLARICE LISPECTOR ("até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso; nunca se sabe qual o defeito que sustenta o nosso edifício inteiro"), JOSÉ NOLASCO, ANTONIO BANDEIRA, HÉLIO OITICICA, MANECO MÜLLER, ALBERTO CAVALCANTE, FLORINDA BULCÃO (hoje Bolkan), CACILDA BECKER, WALMOR CHAGAS, LUISA BARRETO LEITE, ROBERT HIRSH, MARIA FERNANDA, EVTUCHENKO E MAIS DEZENAS DE PESSOAS EXCLUSIVAS. EXCEÇÃO FEITA À CLARICE, TODOS BEBIAM MUITO. ERA O TEMPO DOS GRANDES E GENIAIS PORRES. EU POREM, SÓ BEBIA PARA ME ENTURMAR, POIS NÃO GOSTAVA NEM UM POUCO DE ALCOOL. LEMBRO, CONTUDO, DE QUE BEBÍAMOS WHISKY, VODKA, CAMPARI, VINHOS E UMA COISA REPUGNANTE E ADOCICADA, DE QUE NÃO ME LEMBRO MAIS O NOME. VERMUTE CINZANO (lembrei)! A CERVEJA, HAVIA ENTRADO DISCRETAMENTE EM CENA E FAZIA UM TERCEIRO PAPEL. TALVEZ FOSSE APENAS UMA FIGURANTE SEM TALENTO. EU ERA ENTÃO UM GAROTO MAGRO E DESLUMBRADO. NÃO TINHA AINDA LIGAÇÃO COM O TEATRO OU COM QUALQUER OUTRA COISA. SÓ PENSAVA EM VIVER OS DIAS AZUIS NA PRAIA INCOMPARÁVEL E AS NOITES ENCANTADAS PELOS BARES DA MAIS SORRIDENTE BOEMIA. FRUIR A VIDA ENCONTRADA NO CONVÍVIO DOS AMIGOS ME TOMAVA TODO O TEMPO. EU ERA IMPIEDOSAMENTE FELIZ. SÓ AMAVA A EMBRIAGUES DAS DESCOBERTAS. O ÁLCOOL SÓ ME DARIA PRAZER BEM MAIS TARDE, QUANDO A CORAGEM DEU LUGAR AO MEDO. FUI UM JOVEM QUE BEBIA PESSOAS E SE EMBRIAGAVA DELAS. MUITOS DOS ANTIGOS COMPANHEIROS JÁ SE FORAM, LEVADOS PELA MORTE, INCLUSIVE AQUELE "EU" QUE JÁ NÃO EXISTE FAZ TEMPO. QUANDO PENSO EM MEU PASSADO, É COMO SE ESTIVESSE ASSISTINDO A UM BELO FILME, CHEIO DE EMOÇÕES, LÁGRIMAS E RISOS, MAS NÃO PARECE QUE AQUELE NA TELA SEJA EU. ASSISTO AO FILME E GOSTO, MAS ESTOU SOZINHO DENTRO DO CINEMA OU TALVEZ AQUELAS CADEIRAS ESTEJAM OCUPADAS POR PESSOAS INVISÍVEIS, PORQUE SINTO MUITAS PRESENÇAS A MEU LADO. SEMPRE FUI ASSIM: NÃO ME LEMBRO, MAS NÃO ESQUEÇO.
QUANDO ERA MENINO E NÃO CONSEGUIA DORMIR, EU IMAGINAVA QUE A CAMA ESTIVESSE BOIANDO EM ALTO MAR, COM OS TUBARÕES CIRCUNDANDO-A. DESTA FORMA, COM A SENSAÇÃO DO PERIGO IMINENTE, O SONO VINHA E EU DORMIA SERENO E EM PAZ. É ASSIM, ENTRE A FELICIDADE E O HORROR, QUE GOSTO DE VIVER ATÉ HOJE. A BEBIDA FORTE ME AJUDAVA NESTE MISTER. A CERVEJA, NO ENTANTO, COMO É A ÚNICA BEBIDA QUE NÃO LIBERTA O ESPÍRITO, FOI A ESCOLHIDA PARA O TEMPO DA MINHA VELHICE. SE NÃO FOSSE ELA, EU JÁ TERIA ME PRECIPITADO NOS ABISMOS SELVAGENS. ACHO QUE FOI POR ISSO QUE PASSEI A BEBER CERVEJA. FOI POR UMA VERGONHOSA PRECAUÇÃO. UMA REPULSIVA AUTO PRESERVAÇÃO. ELA É A MINHA REDE DE SEGURANÇA. NO FUNDO A CERVEJA É UM SINAL DE MINHA COVARDIA DIANTE DE MIM. ELA É UMA BEBIDA RELES, PESADA, IGNORANTE, QUE ME TRAZ PRESO À PEQUENAS CONVENIENCIAS SOCIAIS E VÔOS "POÉTICOS" APENAS MÉDIOS, QUANDO NÃO RASANTES. NA MINHA IDADE JÁ NÃO CONVÉM VOAR MUITO ALTO, POIS O MEU RADAR PARECE ESTAR LOUCO E ME PERDER É TUDO O QUE EU NÃO QUERO, EMBORA DESEJE.
PRONTO, AGORA JÁ SEI PORQUE BEBO CERVEJA. AINDA BEM QUE ELA NÃO CHEGOU MAIS CEDO, PERMITINDO COM A SUA AUSÊNCIA, QUE EU VIAJASSE PELA "VIA LACTEA", ACOMPANHADO DOS ANJOS QUE ME FORMARAM E QUE PERMANECEM EM MIM. SEM ELES NADA TERIA VALIDO A PENA E NEM FARIA SENTIDO. NISTO SOU MUITO GRATO À VIDA: ELA PÔS BASTANTE LUZ EM MEU CAMINHO.
CLÁUDIO GONZAGA.
Nenhum comentário:
Postar um comentário