segunda-feira, 5 de julho de 2010

LEMBRAR.

É quando os meninos se ajudam mutuamente que a vida se revela bem maior do que parece.

ERA UM TEMPO PASSADO HÁ MUITO, MAS LEMBRADO SEMPRE, COMO COSTUMA ACONTECER COM OS DIAS DA INFÂNCIA DOS QUE FICAM VELHOS SEM PERDER A GENTILEZA DA ALMA. ALGUNS MENINOS, COM O PASSAR DO TEMPO, ATRAVESSANDO AS DUREZAS DA VIDA, AS AGRURAS DO DESTINO, CUMPRINDO SEM REMÉDIO AS ADVERSIDADES, VÃO SENDO FORÇADOS A DEIXAR PELO CAMINHO A DOÇURA QUE TIVERAM NOS DIAS DE SUA INOCÊNCIA. JUNTAM-SE ENTÃO, NESTE CASO, AO FÍSICO ALQUEBRADO, UM ESPÍRITO INSENSÍVEL. NÃO CREIO QUE POSSA HAVER COISA MUITO PIOR DO QUE ISSO.
OS VELHOS, QUE MANTIVERAM VIVA A SUA INFÂNCIA, TRAZEM A TODA HORA LEMBRANÇAS DE FATOS REMOTOS QUE RENOVAM A ALMA, JÁ QUE, TRISTEMENTE, NADA SE PODE FAZER MAIS PELO CORPO - CASO PERDIDO.
ESTAVA POIS O VELHO, NO "RECUERDO" DE UM ARMAZEM DE SECOS E MOLHADOS DE SEU PASSADO, A COMPRAR MANTIMENTOS PARA QUE A SUA MÃE, EM CASA, FIZESSE O ALMOÇO: UM QUILO DISSO, UM PUNHADO DAQUILO, UM SACO DAQUILOUTRO, DUZENTOS GRAMAS DESTE, UM PACOTE DAQUELE, UM VIDRO NÃO SEI DO QUE, AZEITONAS, AMEIXAS, PIMENTÕES ETC, QUANDO ENTROU UM MENINO POBRE, PROPONDO QUE O PORTUGUÊS ("seu" Ferramenta) DONO DA VENDA, TROCASSE COM ELE UMA JARRA DE LOUÇA ORDINÁRIA, POR UM QUILO DE FEIJÃO.
- AQUI NÃO SE TROCAM OBJETOS POR MERCADORIAS - DISSE O VENDEIRO DESATENTO AO EMBARAÇO DO MENINO.
- É QUE A MINHA MÃE NÃO TEM DINHEIRO, NEM O QUE COZINHAR. ME MANDOU TRAZER A JARRA PARA VER SE O SENHOR PODE TROCAR.
- POIS VENDA ISTO "PRAÍ" E VOLTE COM O DINHEIRO.
- JÁ FIZ ASSIM... NINGUÉM QUIS COMPRAR...
O ALDABRÃO DO GALEGO, DESVIOU A ATENÇÃO PARA O QUE EMBRULHAVA PARA O OUTRO MENINO E PÔS-DE A ASSOBIAR ALGO COMO UM FADO SEM POESIA E SEM BELEZA. O MENINO POBRE, INSISTIU HUMILHADO:
- É UMA BOA JARRA PARA FLORES... VALE ATÉ MAIS DO QUE UM QUILO DE FEIJÃO... A MINHA MÃE....
- NÃO GOSTO DE FLORES, Ó PÁ! TRAGA-ME DINHEIRO OU VÁ EMBORA!
- TENHO MAIS DOIS IRMÃOS MENORES. ELES ESTÃO COM FOME...
- QUE TENHO EU COM ISSO? SAIA DO CAMINHO... - E EMPURROU O MENINO QUE PEDIA FEIJÃO.
O OUTRO MENINO QUE ASSISTIA INDIGNADO À CENA, DISSE AO CELERADO:
- ANDE LOGO COM OS MEUS EMBRULHOS, "SEU" FERRAMENTA.
PEGOU A SACOLA DE PAPEL PARDO COM AS SUAS COMPRAS E CHAMANDO O MENINO POBRE, ENTREGOU A ELE O QUE HAVIA COMPRADO NA CONTA DE SUA MÃE.
O FILHO DA PUTA DO COMERCIANTE PERVERSO, VENDO AQUELA DOAÇÃO, À SEU JUIZO INJUSTA E ABSURDA, BERROU REVOLTADO COM O MENINO DOADOR:
- AGORA É A SUA MÃE QUE VAI SUSTENTAR GENTE QUE ELA NEM CONHECE?
- POIS É "SEU" FERRAMENTA... ELA ESTÁ PRECISANDO MUITO DE UMA JARRA DE FLORES... VAI GOSTAR DA TROCA.
- ESTA JARRA NÃO VALE NADA...
- VALE SIM E VAI FICAR MUITO MAIS BONITA QUANDO ESTIVER COM AS FLORES - E SAIU LEVANDO A JARRA, AO LADO DO MENINO POBRE, QUE ABRAÇAVA AS COMPRAS NO PEITO.
JÁ NA RUA, DESPEDIRAM-SE EM SILENCIO, SEM PALAVRAS, SEM NADA QUE CORROMPESSE O COMPANHEIRISMO RECEM NASCIDO ENTRE ELES. APENAS TROCARAM UM OLHAR CÚMPLICE, QUE SÓ OS MENINOS POSSUEM.
EM CASA, O QUE FICOU COM A JARRA, EXPLICOU QUE PERDERA AS COMPRAS NO CAMINHO, MAS QUE ACHARA A JARRA CAÍDA NA CALÇADA. NINGUÉM ACREDITOU NA HISTÓRIA E ELE ATÉ LEVOU UNS TAPAS NA CARA MAS, COMO SEMPRE, NÃO SE IMPORTOU.
NO DIA SEGUINTE, O "SEU" FERRAMENTA CONTOU SOBRE A TROCA, À MÃE DO MENINO SOLIDÁRIO E ELA, PARA SURPRESA DELE, DISSE:
- GOSTEI MUITO DAQUELA JARRA... ONDE MORA O MENINO DONO DELA?
- MORA "PRAÍ" , NUM BURACO. QUE VAIS QUERER PRA HOJE?
- HOJE VOU QUERER ENFIAR A SUA FUÇA NA PRIMEIRA LATRINA QUE ENCONTRAR - DISSE A MÃE DO JOVEMZINHO E SAIU LEVANDO O FILHO PELA MÃO, ENQUANTO DIZIA:
- VAMOS ATÉ O "ARMAZEM CRUZ DE MALTA" (ainda não havia supermercados). DE HOJE EM DIANTE, É LÁ QUE VAMOS FAZER AS COMPRAS.
NUNCA MAIS SE FALOU NAQUELE ACONTECIMENTO E A JARRA, EM DIAS, SE PERDEU DE VISTA, NATURALMENTE. HOJE ELA TERIA LUGAR DE DESTAQUE EM CASA DO MENINO JÁ VELHO, QUE FOI UM DIA, O QUE COMPREENDEU UM IGUAL.
UMA DAS COISAS MAIS DIVERTIDAS NA VELHICE É QUANDO INESPERADAMENTE, NOS CHEGAM, VINDOS DO MAIS REMOTO PASSADO, INEXPLICAVELMENTE, FATOS DE TODO ESQUECIDOS, A NOS ENCANTAR, CAUSANDO IMENSA SAUDADE.
NUNCA ME CANSAREI DE REPETIR QUE TODOS, ABSOLUTAMENTE TODOS OS FATOS QUE VIVEMOS NO DIA A DIA, SÃO ENCANTOS INDISPENSÁVEIS, QUANDO PELO TEMPO E DISTANCIA, SE TORNAM PARTE DA NOSSA HISTÓRIA PERECÍVEL. A MEMÓRIA TALVEZ SEJA O MAIOR DOM QUE PODEMOS RECEBER, POIS É NELA QUE ESTÃO GUARDADAS AS NOSSAS VERDADES MAIS PROFUNDAS, EMBORA MUITAS VEZES DE APARENCIA INSIGNIFICANTE
DE OLHO ACESO NO MEIO DA NOITE APAGADA, FICA O VELHO SE PERGUNTANDO O QUE TERÁ SIDO FEITO DAQUELE MENINO DO PASSADO QUE TINHA UMA JARRA. ESTARÁ VIVO AINDA? TERÁ SIDO FELIZ? TERÁ COMPREENDIDO, AINDA QUE SÓ UM POUCO, OS MISTÉRIOS DA VIDA? LEMBRARÁ DAQUELE ENCONTRO FORTUITO PERDIDO NO TEMPO? TERÁ TIDO A POUCA SORTE DE PERDER A INFANCIA DO ESPÍRITO? ENTÃO, CONFUSO, SE SURPREENDE PEDINDO A DEUS QUE PROTEJA AQUELE MENINO E O FAÇA FELIZ.

CLÁUDIO GONZAGA.

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