MULHER FELIZ.

Era da janela à direita, que a Madalena dava os seus escândalos noturnos espetaculares, para encanto do povo. Pessoalmente pagaria qualquer preço para presenciar um deles. Infelizmente não tive a sorte ou a oportunidade. É nestes momentos e por estas razões, que agradeço a providência ter me dotado de imaginação. Todos somos livres para imaginar.

VALIA A PENA VER A MADALENA, PUTA VELHA, CONHECIDA PELA ALCUNHA DE "MADÁ CÚ DE BOMBA", MARCADA POR LONGAS JORNADAS NOTURNAS NA PEGAÇÃO DO CENTRO DA CIDADE, CHEGAR À JANELA DO ALCOUCE (desculpe) EM QUE PRESTAVA SERVIÇOS SEXUAIS E PELO FINO ESPAÇO QUE OS POSTIGOS DAS JANELAS OFERECIAM, DESPEJAR OS MAIS TORPES IMPROPÉRIOS, AS MAIS VIS INJURIAS DE QUE É CAPAZ DE PROFERIR A BOCA HUMANA. SUA POTENTE VOZ, RESSOAVA COMO TROVOADAS DE VERÃO NA MADRUGADA SILENCIOSA:
- VOLTE AQUI SEU FILHO DA PUTA! PICA TORTA! PERU FEDIDO! PEIDO DE DEFUNTO! CARALHO DE MERDA! CHUPADOR DE BOCETA DE PUTA! VÁ TOMAR NO CÚ, PICA MOLE! - E COISAS PIORES, QUE O PUDOR ME IMPEDE DE REPETIR NESTA COLUNA, QUE PRIMA PELA ELEGÂNCIA TEMÁTICA E DISCRIÇÃO DE LINGUAGEM.

A MADALENA DESCONHECIA, QUANDO UM FREGUÊS DEIXAVA O PROSTÍBULO SEM PAGAR, QUALQUER LIMITE EM SUA MANEIRA DE EXPRESSAR INDIGNAÇÃO. MAS PODE-SE IMAGINAR A MADALENA, PASSADA DOS CINQUENTA (para puta de rua é muito) COM MEIO CORPO ENFIADO NO POSTIGO DA JANELA DO BORDEL NA GAMBOA, A SOLTAR SUAS PÉROLAS:

- FILHO DE MARAFONA CHUPADORA DE CARALHO! FILHO DE CAFETINA! VIADO DE ZONA! BUNDA MURCHA! DEDO MINDINHO! CUZÃO! ARROMBADO! QUER FODER DE GRAÇA FILHO DE VACA? CABRÃO! CÚ DE MUNDO! BICHA DE MARUJO! TE PEGO NUM BECO E TE METO UM TOCO NO CÚ, FILHO DA PUTA! - E ASSIM POR DIANTE.

TODAS AS JANELAS SE ACENDIAM E VINHA O POVO SONOLENTO ASSISTIR O ESPETÁCULO DELICIOSO. ENCANTADA, AQUELA GENTE NÃO SE IMPORTAVA DE SER TAMBÉM INSULTADA:

- QUE É PUTADA? ESTÃO OLHANDO O QUE? O CAMARADA ENTROU AQUI, COMEU MEU CÚ E SE ESCAFEDEU PELA PORTA DOS FUNDOS! VOLTEM PRA CAMA, BANDO DE CHUPADORES! EU METO A PAULADA NA BICHA! A PIROCA DO VAGABUNDO NÃO ME FEZ NEM COSQUINHA ! EU PEGO O PUTO NO CACETE!

CERTA NOITE ALGUÉM CHAMOU A POLICIA. QUANDO O POLICIAL CHEGOU, FOI LOGO DIZENDO:

- A SENHORA DEVE MODERAR A LINGUAGEM...

- MODERAR É O CARALHO! O SUJEITO CHEGOU AQUI, MANDOU QUE EU VIRASSE DE CÚ PRA ELE E DEPOIS DE SATISFEITO FUGIU SEM PAGAR! AGORA ME DIGA: O SENHOR ERA CAPAZ DE FAZER UMA COISA DESSAS? GARANTO QUE NÃO! EU TÔ AQUI COM A BUNDA TODA MOLHADA E NÃO GANHEI NADA COM ISSO!

EU, SE FOSSE DESSES REALISTAS QUE ANDAM POR AÍ, DEIXARIA ESTA LINGUAGEM SIMBÓLICA QUE USO E DIRIA AS PALAVRAS CRUAS QUE A MADALENA ERA CAPAZ DE DIZER NA HORA DA REVOLTA. FELIZMENTE UM RECATO NATURAL EM MIM, INEVITÁVEL MESMO, ME IMPEDE DE ESCREVER INIQUIDADES.

AGORA, FALANDO SÉRIO: QUE DÁ VONTADE, DÁ.

A MADALENA FORA EXPULSA DE SUA CASA NO INTERIOR DO ESTADO DO RIO, NUM LUGAREJO PAUPÉRRIMO CHAMADO... NÃO VOU DIZER O NOME, PORQUE PODE HAVER ALGUM EX MORADOR DO LUGAR LENDO AGORA ESTA COLUNA. MAS ADIANTO QUE ERA REALMENTE UMA DESGRACEIRA. TÃO MISERÁVEL QUE OS SEUS MORADORES DE ENTÃO (1954) COMIAM APENAS UMA FAROFA DE PIMENTA MUITO ARDIDA CHAMADA "PUTA QUE PARIU". ERA FEITA SEM SAL, SEM CEBOLA, SEM ALHO, SEM TOMATE, SEM AZEITE, SEM NADA. ERA SÓ FARINHA E PIMENTA. COMIAM ISSO TODOS OS DIAS. VIVIAM AGACHADOS NOS MATOS, GRITANDO DE DOR NO CU, DIZENDO PALAVRÕES E XINGANDO A SORTE QUE A VIDA LHES DERA. QUEM ESTIVESSE ANDANDO NAQUELAS RUAS MEDONHAS, DE TERRA BATIDA, OUVIRIA VOZES SAÍDAS DE MOITAS NOS TERRENOS BALDIOS: "AI MEU CÚ! AI MEU CÚ! AI MEU CÚ! MALDITA PIMENTA! AI MEU CÚ! AI MEU CÚ! AI MEU CÚ!"

HAVIA, ENTRETANTO, UMA VANTAGEM TRAZIDA PELA PIMENTA "PUTA QUE PARIU". DEPOIS QUE VIRAVA EXCREMENTO, FEDIA TANTO, QUE O CHEIRO, MISTURADO AO VAPOR ARDIDO QUE SE DESPRENDIA DA MISTURA ORGÂNICA, MATAVA INSTANTANEAMENTE QUALQUER INSETO. ATÉ OS RATOS FUGIAM HORRORIZADOS DAQUILO. NESTE CASO, NÃO PODEMOS DEIXAR DE RECONHECER, QUE O QUE LIMPAVA AQUELE SITIO INFELIZ, ERAM JUSTAMENTE AS FEZES QUE O POVO DEPOSITAVA POR TODA PARTE. ERA MERDA PRA TODO LADO, MAS NÃO SE VIAM MOSCAS NEM MOSQUITOS NEM BARATAS, NEM PERCEVEJOS, NEM RATOS E DIZEM QUE MESMO MAMÍFEROS DE GRANDE PORTE COMO CAVALOS, MOSTRAVAM CERTA RELUTÂNCIA AO ADENTRAR A CIDADEZINHA. OS MORADORES SÓ CONSEGUIAM VIVER ALI, PORQUE PASSAVAM OS DIAS CHEIRANDO ÉTER, O QUE OS VICIAVA NA DROGA DE MODO LAMENTÁVEL. VIVIAM TODOS SEMPRE EMBRIAGADOS DE ÉTER.

POIS FOI NUM LUGAR ASSIM, QUE ALGUÉM TEVE A IDEIA DE ESTUPRAR A MADALENA, QUANDO A POBRE TINHA APENAS TREZE ANOS. O PAI DELA, QUE NÃO ACEITAVA QUE FALTASSE O CABAÇO NA FILHA, QUANDO SOUBE DO ESTUPRO, EXPULSOU-A E A COITADA, SOZINHA, VEIO PARAR NA PRAÇA MAUÁ, TORNANDO-SE PUTA, HÁ APENAS MEIA HORA DE SUA CHEGADA.

A PRIMEIRA VEZ QUE A MADALENA DEFECOU SEM DOR, SENTIU-SE NO CÉU. EM SUA MENTE CONFUSA CONSIDEROU QUE A PROSTITUIÇÃO ERA UMA PROFISSÃO MARAVILHOSA, POIS PERMITIA QUE A PUTA COMESSE BIFES COM BATATAS FRITAS E PROPICIAVA QUE SE FIZESSE UM COCÔ BONITO E INDOLOR.

A BEM DIZER A MADALENA, SE NÃO FOSSEM OS CALOTEIROS QUE APARECERAM COM O PASSAR DOS ANOS, FOI UMA MULHER FELIZ, QUE OFERECIA INVOLUNTARIAMENTE GRANDE DIVERSÃO AO POVO DA PARTE POBRE DA MUI BELA, INVICTA E CALORENTA CIDADE DE SÃO SEBASTIÃO DO RIO DE JANEIRO.

MUITO POUCA GENTE NESTE MUNDÃO DE DEUS, PODE DIZER QUE FOI MAIS FELIZ DO QUE A NOSSA MADALENA, QUE A TEMPO E POR CAPRICHO DA SORTE, SALVOU O SEU ÂNUS DE TORTURAS INCALCULÁVEIS, PORQUE O USO QUE FAZIA DELE NA VIDA DE PUTA, ERA PINTO (!) COMPARADO À FAROFA DE SUA TERRA, SEM FALAR NOS ODORES FÉTIDOS QUE O LUGAREJO TODO EXALAVA.

O ASSUNTO DA CRONICA DE HOJE, DE NATUREZA MESENTÉRICA, MOSTRA CLARAMENTE QUE A FELICIDADE É POSSÍVEL, SEMPRE QUE ALGUÉM PASSA DE UMA CONDIÇÃO RUIM PARA OUTRA MELHOR. QUALQUER ALIVIO, AINDA QUE PEQUENO, LONGE DA PERFEIÇÃO, MESMO SEM NOS FAZER À SEMELHANÇA DE DEUS, PODE E DEVE SER CONSIDERADO UMA FORMA DE FELICIDADE. SE BEM QUE NA OPINIÃO DA MADALENA, A SUA VIDA NA CIDADE GRANDE, NÃO DERA APENAS UMA MELHORADA. FORA, PENSAVA COM SEUS BOTÕES BARATOS, ALGO MUITO ACIMA DISSO.

ERA DE SE VER COM GOSTO, A MADALENA NA FEIRA A COMPRAR TOMATES, CEBOLAS E PIMENTÕES, COM UM GRANDE SORRISO DE MENINA FELIZ. QUANDO PASSAVA POR UM VENDEDOR DE PIMENTA, VIRAVA-LHE A CARA E CUSPIA, DIZENDO BRICALHONA:

- RASPE COM ISSO DAQUI, AZAR! VÔTE! PÉ DE PATO MANGALÔ TRÊS VEZES. SUMA COM ESSA NOJEIRA! LARGA MÃO DE VENDER MERDA! CRUZ CREDO!

NATURALMENTE TINHA HORROR A PIMENTAS. AS SUAS COLEGAS DE PROFISSÃO ARGUMENTAVAM:

- QUE COISA! NUNCA VI PUTA NÃO GOSTAR DE PIMENTA! VOCÊ É MUITO METIDA, MADALENA...

A MADALENA OUVIA A REPRIMENDA, MAS NÃO DIZIA NADA SOBRE A CAUSA DO SEU HORROR. NUNCA FALAVA DE SEU PASSADO. ESCONDIA-O COMO UM CRIME. APENAS UMA VEZ, AO VER UMA COMPANHEIRA ENCHER O PRATO DE MALAGUETAS VERDES COM SEMENTES E TUDO, DISSE ARREPIANDO-SE:

- NO RIO NÃO SE SABE O QUE É PIMENTA. ISSO É O DIABO! EU JÁ VI UMA MULHER COMER MUITA PIMENTA FORTE. SABE QUAL FOI O RESULTADO? QUANDO FOI FAZER COCÔ, O CÚ DELA CAIU DENTRO DA LATRINA - E SE CALOU OLHANDO POR SOBRE O OMBRO DA AMIGA DE MANEIRA VAGA, ONDE SE PERCEBIA UMA TRISTESA PROFUNDA, MAS FICOU POR AÍ.

DEPOIS, COMO SEMPRE, SORRIU ALEGREMENTE E DISSE ENIGMÁTICA:

- É CADA UMA, NÉ?

A COLEGA NÃO LEVOU A SÉRIO AQUELE TESTEMUNHO SOBRE O CÚ DESPREGADO, SUPONDO QUE FOSSE UMA ESPÉCIE DE ALEGORIA TORPE DE QUEM NÃO GOSTA DE PIMENTA.

AS VERDADES, QUANDO MUITO CRUAS, CAUSAM PÂNICO INCONSCIENTE E FICAM DESACREDITADAS. TODOS TEMOS NOSSAS DEFESAS.

CLÁUDIO GONZAGA