Numa cidadezinha longe do mundo, num tempo em que os protestantes eram chamados pelos desvalidos de "bíblias", havia no final de uma pequena rua uma casinha bonita, mas miserável. Aquilo poderia ser considerado um fim de mundo, mas não necessariamente o cu dele. Ali, modestamente, nascera o Henrique Pessoa, filho de dona Engrácia Ramos Pessoa, casada com o "seu" Pilápio Elesbão de Castro Nogueira e Pessoa que, sendo o maior corno do Brasil, era um sujeito meigo e dócil, não demonstrando nenhum dos costumeiros sinais de cólera contumaz, tão comuns nos chifrados deste mundo. Ele, ao contrario, era um doce de pessoa. Muita gente malsã dizia, à boca miúda, que o seu Pilápio era viado, mas isso é discutível pois, para ser viado, pelo menos em Minas Gerais, à época, a pessoa tinha de ter dado a bunda pelo menos três vezes. Ora, ninguém nas Gerais desconhecia que o seu Pilápio só dera duas vezes, pois na terceira o ato não havia sido finalizado, já que a mulher do parceiro do seu Pilápio entrou no quarto e deu um escândalo tão grande que até em Diamantina, que ficava longe dali, foram ouvidos os seus impropérios. Isso porem aconteceu há uns vinte e poucos anos. São naturalmente águas passadas, embora não esquecidas. Todo mundo sabe como é cruel a memória de gente que, por não ter o que fazer, toma conta de tais coisas. As bundas da vizinhança, em pequenas cidades no Brasil, são objetos de demoradas especulações. Não cientificamente o que sai delas; mas fofoqueiramente, o que entra nelas. É uma fatalidade, que não deve ser discutida ou analisada. Seria inútil e torpe.
Devo dizer no entanto, que esta informação poderia ter sido dispensada, pois os fatos que se vão contar aqui, se referem a coisas que independem dos nomes e costumes dos pais de seu protagonista e menos ainda do lugar em que ele nasceu. Além do mais, quando se diz que alguém é corno, de modo indireto se está dizendo também que a mulher do tal, toma regularmente as suas pirocadas por aí. Sendo assim, o que recomendo, é que esqueçam o que lhes foi dito até aqui.
É por essas e outras que muitas pessoas acham que os escritores as fazem perder tempo. Às vezes a vida, terrível quanto é, apresenta surpresas desconcertantes na existência de gente boa, que de todo não merecia sofrer desapontamento algum. Está visto entretanto que não adianta discutir com o destino ou com as decisões tomadas sem nenhum critério, pelo condão misterioso a que todos estamos sujeitos. Há um antigo fado que diz em sua letra:
Sabe-se lá,
quando a sorte
é boa ou má.
Sabe-se lá
amanhã o que virá.
Breve desfaz-se
uma vida honrada e boa.
Ninguém sabe,
quando nasce,
pra o que nasce uma pessôôôôôôáááááááá!!!
Pois é: hoje vamos falar de um dos horrores da vida, nesta coluna de linguagem episodicamente chula, que não nega fogo, mesmo quando o alvo está invisível.
A primeira vez que ouvi o Henrique Pessoa cantar, fiquei abismado com a beleza do timbre de sua voz e com a sua potencia e alcance. Ele tinha vinte anos e estava acostumado a cantar no coro da igreja de sua cidade, passando logo depois, muito cedo, para a radio local, que funcionava nos fundos de uma quitanda suja, cheia de ratos. Obviamente aquele não era o lugar para o talento do Henrique. O jovem, além da bela voz, era dono de um físico muito bonito também. Os seus fãs na cidade, insistiam para que ele deixasse os estudos e fosse tentar a vida como profissional no Rio de Janeiro ou em São Paulo.
Os argumentos deles eram sui generis e tinham certo encanto. Diziam: "Olha Henrique, todos os cantores que estão fazendo sucesso nas grandes cidades, vêm também de famílias do interior. As diferenças deles para você são pequenas e lhe favorecem. Você pelo menos tem bom gosto para escolher repertório, é incapaz de cantar musica sertaneja, não desafina, é bonito, canta bem, tem educação, sabe falar, ler, escrever, usa garfo e faca, é sóbrio no vestir, sabe-se que tem uma boa caceta entre as coxas, não faz caso de dar o rabo quando é preciso, tem carisma, é bondoso, fuma maconha moderadamente, bebe pouco, gosta de aparecer, é vaidoso e de vez em quando mete a pica num cu, seja de homem, seja de mulher. Isso tudo, mais a beleza de sua voz, em segundo plano, lhe garantem um sucesso imenso como cantor. Vá Henrique e vença. O mundo é seu".
O Henrique, já inclinado a ir, foi. Só que a "banda" tocou de modo a decepcioná-lo.
Ninguém mais no Rio ou em São Paulo, queria saber de cantor que cantasse bem, nem bonito, nem carismático, nem de bom repertório, nem de pau grande, nem de bunda fácil.
O que as imensas plateias queriam era gente feia, cantando mal, música caipira, má educação, falação estúpida, braços levantados, machinhos de subúrbio, bundas sujas. Em Minas, não se tinha noção do quanto os costumes se tinham deteriorado nas grandes cidades, excetuando-se Belo Horizonte e adjacências, onde ainda se cultiva a bela voz e o "papai e mamãe" entre homens e mulheres. Lindo, não? Se alguém ficou com o estômago embrulhado, pode ir ao banheiro, que eu espero.
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PAUSA ENQUANTO O LEITOR FOI À TOILETTE.
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O nosso bom Henrique, fez de tudo para obter sucesso como cantor em São Paulo. Comeu centenas de homens e mulheres, deu a bunda, chupou coisas absurdas, conversou com meio mundo sobre os seus planos, foi se apresentar em programas de calouros, mas nada o ajudou. Nem fazer temporada na zona, funcionou.
A conclusão a que chegou o Henrique Pessoa depois de cinco anos tentando, foi que seria uma roubada dedicar a vida inteira àquela procura. Então voltou à vidinha estúpida, em seu retirado fim de mundo. Ainda mais depois do que fez uma sua namorada casual, ainda em São Paulo, revoltada com a situação do rapaz. Vejam que ela foi assistir ao programa da Hebe Camargo (há quem faça isso) e, de repente, saindo da plateia de surpresa, ao vivo, disse berrando, depois que uma dupla de caipiras se apresentou: "TODO MUNDO JÁ ESTÁ CARECA DE SABER QUE AQUELA ESPINGARDA DE CANO DUPLO, SERVE EXCLUSIVAMENTE PARA MATAR DUPLAS CAIPIRAS. O QUE É QUE ESTÃO ESPERANDO, PELO AMOR DE DEUS"? A Hebe quase caiu dura. Está bem, eu concordo que matar é demais. A garota exagerou. Outrossim, poderiam atirar pedras nas testas deles.
Agora cá pra nós, aquela namorada não era burra não, hein? Porque uma coisa é certa: não é preciso imaginação alguma para se pressionar um gatilho. Dar um tiro é sopa! Ora, se não é preciso imaginação alguma, pois isso de fato o público em geral não tem, sou obrigado a repetir a pergunta da moça: "O QUE É QUE ESTÃO ESPERANDO, PELO AMOR DE DEUS"?
Neste momento, decidi contar um fato ocorrido em Buenos Aires com uma destas duplas caipiras paulistas, que andam gemendo por aí, dando a impressão de que comeram mexilhões estragados e as cólicas não querem passar.
Era um programa idiota de perguntas e respostas com artistas de quinta e participantes de reality shows. O apresentador perguntou à dupla brasileira em que continente ficava o Uruguai. A produção do programa oferecia quatro respostas em múltipla escolha: TUNÍSIA, PALESTINA, ISRAEL OU AMERICANO. Os dois feinhos e jecas, confabularam e vieram com a seguinte resposta:
-"É na Palestina"?
Foram imediatamente apedrejados pelo público presente, mas o caso foi abafado, pois a imprensa argentina foi pressionada pelo Itamarati e calou-se. Mais tarde foi descoberto que um antigo diplomata era o "protetor" de um deles. É cada uma, né? Gente amiga: espingarda de cano duplo, não foi feita para enfeitar parede de lareira não, tá?
O QUE É QUE ESTÃO ESPERANDO, PELO AMOR DE DEUS"?
A pergunta não se cala!
Ontem, eu estava assistindo o programa do Raul Gil (as vezes temos que confessar certas coisas) e uma dupla caipira começou a cantar. Quando chegou a hora desgraçada do ÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁIIIIIIIIII!!!, eu fui ao banheiro, fiz xixi, depois andei até a cozinha, abri uma lata de cerveja e bebi, cortei uma fatia de queijo e comi, escovei os dentes, atendi o telefonema de um amigo que fala pelos cotovelos, preparei um Whisky e voltei para o meu quarto, onde fica a televisão. Pois não é que o ÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁIIIIIIIIII!!! continuava? Repito a celebre pergunta que só faltou matar a Hebe Camargo: "O QUE É QUE ESTÃO ESPERANDO, PELO AMOR DE DEUS"!
Agora lhes vou brindar com a verdade: aquela história toda do Henrique e a sua vida na cidadezinha mineira, o seu Pilápio, os fãs do cantor, a mãe infiel do rapaz, a namorada, o programa da Hebe, o do Raul Gil, era mentira minha. Nunca existiu nem o Henrique nem o seu pai, nem a sua mãe nem o resto. A Hebe e o Raul Gil infelizmente existem, mas podemos esquecer isso. Arranjei aquilo tudo, só para ter o pretexto de gritar e clamar ao mundo, desta infame porem amiga coluna: "O QUE É QUE ESTÃO ESPERANDO, PELO AMOR DE DEUS!?!
CLÁUDIO GONZAGA.