Esta é uma história que tem um pé na ficção e outro na realidade, o que significa dizer que é, como qualquer outra, uma versão a mais.
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Para dizer a verdade, logo no primeiro dia da Deolinda naquela casa, a vida da Valentina se tornou um inferno. E por que? Ora, porque a Vicentina ficara orfã aos cinco anos de idade e justamente no momento em que as meninas costumam ser muito dependentes do amor paterno, o Dario, seu pai, assim que ficou viúvo decidiu se casar com a Deolinda, sua amante desde que era solteiro. Todos se perguntarão por que então o seu Dario não se casou logo com a Deolinda? Ah, bem: se vamos começar com perguntas deste tipo eu vou parar por aqui e não escrevo mais esta história sobre a quase desgraçada existência da Vicentina Pereira. Por que o "quase" desgraçada? Vejam vocês que a sua madrasta, além de ser a pior mulher do mundo no que diz respeito à uma postura de solidariedade, carinho, ternura e compreensão, no primeiro momento em que olhou para a menina, ainda na festa do casamento, sentiu por ela um grande ódio, chegando mesmo e lhe proibir o consumo dos deliciosos docinhos e do "maravilhoso" bolo de casamento, enfeitado com as mais hediondas feiuras que se costumam colocar neles. A Vicentina, vestida de cor de rosa pobre (existe isso?) por curiosidade, pegou na mesa de doces um "olho se sogra" e quando ia levá-lo à boca, o que levou foi um bofetão da Deolinda, que estava com a sua atenção cruel toda voltada para a menina. A orfã começou a chorar quando o pai, que tinha visto "a tapa" se aproximou da filha e disse entre dentes, com um sorriso de cachorro:
- Pare de chorar, sua feia! Vá agora mesmo para o banheiro de empregada e fique lá dentro até o fim da festa. Depois você vai ver o que é bom pra tosse, sua filha da puta!
A menina, vendo-se desamparada, aumentou o volume do choro quando a Deolinha, também sorrindo, se aproximou e disse:
- Não chore, meu amor. O papai só quer o seu bem... Venha aqui com a mamãe... - e apontava para a área de serviço do apartamento.
- A senhora não é minha mãe... - chorava a Vicentina, antevendo o tipo de vida que logo passaria a ter.
Todos na festa, para puxar o saco da noiva, acharam a Vicentina muito mal criada. Uma mulher, com a boca cheia de bolo disse:
- Isso é mimo demais. Ela precisa ser educada direito pela Deolinda que é uma pessoa responsável. - enquanto esta vaca falava, saia farelo de bolo de sua boca enorme.
A menina ainda tentou defender a memória de sua mãe:
- Mamãe era também uma pessoa responsável. E a senhora não devia falar de boca cheia.
Vocês podem acreditar que a tal mulher correu atrás da Vicentina e deu-lhe uma surra de tirar sangue, sendo esta atitude aprovada por todos?
Quando a festa acabou a menina foi obrigada a limpar toda a casa. Isto é: lavar a louça, os banheiros, a cozinha, varrer tudo e passar o aspirador. Só foi dormir às cinco horas da manhã. Enquanto trabalhava ouvia os uivos de prazer que a Deolinda soltava, na mais escandalosa foda que um casal já deu. Um vizinho abriu a sua janela e gritou que ia chamar apolicia. A Vicentina já estava deitada quase morta de cansaço, quando a porta de seu quarto se abriu violentamente e apareceu a Deolinda, que disse com as olheiras profundas e a voz rouca de alguém que tinha passado a noite debaixo de pica:
- Levanta daí sua preguiçosa. Vá fazer o meu café que eu estou que não me aguento. Não consigo nem andar. O teu pai me deu uma pirocada que me desancou. Anda logo. Traga o meu café na cama que eu hoje de lá não saio.
- Mas eu estou tão cansada...
- Não me retruque, sua puta! Vá fazer o que eu mandei.
A menina, obediente, desceu à cozinha e ouviu ainda no caminho a madrasta dizer dentro do quarto:
- A vaca da tua filha só quer saber de vida mansa. Disse que está cansada para fazer um café para nós. Cansada estou eu depois da... Ai, espera um pouco! Ui! Ui! Ui! Que coisa maravilhosa! Não para! Não para! Não para!
A pequena orfã em lágrimas fez o café, as torradas, o suco de laranja, mexeu ovos na manteiga e subiu com a bandeja. Quando bateu à porta ouviu o pai rosnar lá de dentro:
- Deixa esta merda aí fora e não torra a nossa paciência!
- A menina, enxugou uma lágrima e foi pedir socorro à igreja que abria sempre às seis horas para a missa. A sua sorte foi que o padre, apesar de pedófilo, só gostava de meninos. Assim mesmo disse que não queria se meter em questões de família e a aconselhou que fugisse para o Rio de Janeiro, dando-lhe o dinheiro da passagem. Foi o que a Vicentina fez, mas nem por isso a sua vida melhorou, porque ao desembarcar na rodoviária do Rio, foi presa pela policia e encaminhada para uma instituição publica para menores, comandada por freiras demoníacas.Vamos terminar por aqui a fase da infância da Vicentina, pois é fácil imaginar os horrores por que ela passou.
Quando fez dezoito anos, foi posta na rua e se tornou puta. Isso não significou muito sofrimento para ela, pois lá no orfanato, um cozinheiro conhecido pelas freiras como "Zé Jumento", costumava lhe dar balinhas de boneco para ela sentar-se no colo dele. As freiras, enciumadas, tornaram a vida da orfã um tormento.
Logo que entrou para o meretrício, conheceu um português dono de vários botequins, que se apaixonou por ela e a pediu em casamento. É claro que ela aceitou. Original, pois não? Parece até que já se leu coisa semelhante por aí. A Vicentina, logo que se acostumou com a vida de patroa, arranjou um amante brasileiro que era o sujeito mais cafajeste do mundo, mas trepava bem. Evidentemente porem, o gajo se deu mal ao se considerar "el pau", pois para quem começou a vida sexual aos cinco anos, com um homem que tinha o apelido de " Zé Jumento", não eram quaisquer vinte centímetros que impressionavam. A Vicentina então deixou de lado, por uns tempos, a ideia de se apaixonar e voltou-se para uma vida regular de mulher casada, bem de vida e meio à beira da viuvez. Para que a sua sorte fosse completamente boa, o velhote português tinha lá uma encrenca no coração e numa tarde de domingo, depois do almoço, por comer demais, bateu a caçuleta e passou desta para melhor, deixando todos os seus bens (que afinal eram muitos) para a única pessoa que fora boa para ele, a Vicentina.
Vendo-se viúva, rica e sem querer saber de homens, mudou-se do Irajá para Ipanema, indo morar na Garcia D'avila e começou a sua vida de cafonices festejadas. Sim, porque sendo muito rica, as suas cafonices eram consideradas excentricidades. Passou a frequentar o Country Club, visto que pareceu conveniente à famosa agremiação que alguém lá dentro tivesse algum dinheiro. A essa altura ela ainda não tinha trinta anos, era bonita, tinha um corpo realmente divino, dentes que o destino por uma razão qualquer preservara intactos e uma pele que era o mais deslizante cetim de que já se teve noticia. Quando os homens ficavam sabendo que ela era avessa a sexo, enlouqueciam de tesão e por isso tomavam as mais ridículas atitudes. Um tal Alaôr, por exemplo, considerado o fodão de Ipanema, certa vez em que ela estava bebendo no Sindicato do Chope, numa grande mesa cheia de gente para a qual ela pagava bebida e comida diariamente, botou o pau duro pra fora e mostrou a ela que, sem pestanejar, emborcou a tulipa do chope e a encaixou-a na "cabeça" do dito cujo. "Deu um ar" na tulipa e o galã foi levado às pressas para o Miguel Couto. Este fato lamentável é hoje, passados dez anos, contado como uma "boutade" elegante do célebre bairro. A Vicentina manteve-se acima das vulgaridades da vizinhança e em pouco tempo entrou para a politica. Para encurtar o assunto, elegeu-se Senadora da República. Já quase não dá as caras em Ipanema, para tristeza do seu enorme eleitorado. Hoje a Vicentina cumpre a rotina dos políticos e lendo a sua agenda, roubada à uma secretária, vi o seguinte:
1- Acordar ao meio dia.
2- Tomar o café da manhã.
3- Ir ao Senado.
4- Às duas horas pegar "aquele" dinheiro discretamente.
5- Às duas e meia responder a um inquérito sobre corrupção, chatíssimo.
6- Encontrar os "colegas" e comer uma pizza.
7- Pegar um "cascalho" naquele outro lugar, às quatro horas.
8- Sair às vinte horas para beber (muito) e jantar.
9- Dançar, no bom sentido.
10- Voltar para casa trazendo um bonitão qualquer.
Mas quando está só, depois que o latagão já saiu, ela sente um aperto no coração e vontade de vomitar. O seu criado mudo é cheio de frascos de tranquilizantes tarja preta. Ele porem é vista sempre com um grande sorriso na boca vermelha.
Tem gente que acha que ele deu uma sorte danada na vida, mas alguns são de opinião que a Vicentina Pereira vive no maior lamaçal. É sempre assim.
CLÁUDIO GONZAGA.
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