sábado, 13 de março de 2010

CAJU.


PODE HAVER COISA MAIS BONITA DO QUE UMA CRIANÇA PEQUENA SENTADA DEBAIXO DE UM CAJUEIRO CHUPANDO UM CAJU? ESTA CENA QUE EU VI NO PIAUÍ HÁ MUITOS ANOS PASSOU, DESDE ENTÃO, A SER A IDEIA QUE FAÇO DE INOCÊNCIA E PUREZA. ERA A CRIANÇA UM MENINO MUITO POBRE, DESCALÇO, SUJINHO, USANDO UMA CAMISETA FURADA E UM CALÇÃO TIPO "ENGOLE ELE PALITÓ". TINHA OS CABELOS CASTANHOS LISOS E RALOS, DEVIA TER UNS SEIS ANOS E ENQUANTO SUGAVA O SEU CAJU, SORRIA DE PURA FELICIDADE. EU VINHA DE BICICLETA POR UM CAMINHO DE TERRA BATIDA. ESTAVA LONGE DA CIDADE, POIS HAVIA ME DECIDIDO QUE A MELHOR VIDA ERA AQUELA QUE SE VIVE LONGE DA CIVILIZAÇÃO. TALVEZ ESTA MINHA DECISÃO TENHA SE DADO POR INFLUÊNCIAS LITERÁRIAS. A LITERATURA SEMPRE ME INFLUENCIA MUITO. PAREI A BICICLETA EM FRENTE AO MENINO E PERGUNTEI SE O CAJU ESTAVA GOSTOSO.
- O SENHOR NUNCA COMEU CAJU NÃO, MOÇO? SÓ É BOM. CAJU SÓ É BOM. QUANDO ESTÁ MADURO SÓ É BOM.
- SERÁ QUE EU ENCONTRO UM BEM MADURO, AÍ NESTE PÉ?
- TÁ CHEIO, É SÓ PEGÁ.
EU COMECEI A PROCURAR UM CAJU BEM MADURO, MAS O MENINO LEVANTOU-SE E FOI SAINDO.
- VOCÊ VAI EMBORA? EU QUERIA COMER O MEU CAJU AO SEU LADO.
- NÃO SENHOR. GOSTO DE COMER O MEU CAJU SOSSEGADO. CAJU COM GENTE FALANDO, NÃO PRESTA.
- EU FICO QUIETO. COMO O CAJU EM SILENCIO.


- É, MAS NÃO QUERO NINGUEM ME OLHANDO. QUERO SOSSEGO.
- MAS VOCÊ JÁ TEM TANTO SOSSEGO AQUI... É TUDO TÃO SOSSEGADO...
- JÁ VI QUE O SENHOR QUER CONVERSAR E EU NÃO SOU MUITO DISSO NÃO. GOSTO DE FICAR QUIETO COM O MEU CAJU.
O MENINO SAIU CORRENDO E DESAPARECEU POR DETRÁS DE UMAS PEDRAS SECAS E RACHADAS. DEPOIS DESTE FORA QUE O GAROTO ME DEU COM TODA A RAZÃO, EU CHUPEI UM CAJU E RETOMEI O MEU CAMINHO.
NO DIA SEGUINTE ESTAVA EU DE VOLTA COM A BICICLETA, QUANDO AO PASSAR PELO MESMO LUGAR VI O MENINO SENTADO SOB O CAJUEIRO COM UM CAJU LINDÍSSIMO NA MÃO. LÁ ESTAVA TAMBÉM EM SEU ROSTO O MESMO SORRISO DA VÉSPERA. SÓ QUE AO SEU LADO, SOBRE UMA FOLHA SECA, SE VIA O CAJU MAIS BONITO DO MUNDO. PAREI E CUMPRIMENTEI:
- BOM DIA MENINO. VOCÊ PELO JEITO GOSTA MESMO DE CAJU, NÃO?
- TODO MUNDO GOSTA DE CAJU. ESTE AÍ EM CIMA DA FOLHA EU ESCOLHI PARA O SENHOR, MAS PEÇO QUE VÁ COMER LONGE DAQUI. ME DEIXE SOSSEGADO. EM PAZ.
EU INSISTI:
- OBRIGADO PELO CAJU, MAS EU QUERIA CONVERSAR UM POUCO COM VOCÊ. É BOM SUGAR UM CAJU CONVERSANDO COM ALGUEM...
- LOGO SE VÊ QUE NÃO É DAQUI. CAJU A GENTE COME SOSSEGADO. BARULHO SÓ O DOS PASSARINHOS. CONVERSA DE GENTE NÃO PRESTA NO SOSSEGO. PEGA O SEU CAJU E COMER LONGE DAQUI.
PEGUEI O CAJU E OBEDIENTE FUI COMÊ-LO PERTO DE UM BARRANCO BEM LONGE DALI. COMO O BARRANCO ERA ALTO E PROJETAVA UMA BOA SOMBRA, EU ME DEITEI NO CHÃO MESMO, PERTO DA BICICLETA E FIQUEI OLHANDO AQUELE DIA AZUL E DESERTO. PEGUEI NO SONO E SÓ ACORDEI COM O MENINO ME TOCANDO COM O PÉ.
- O QUE FOI? - PERGUNTEI.
- NADA NÃO. SE O SENHOR FICAR UM BOM TEMPO MORANDO POR AQUI, VAI SE ACOSTUMAR. SABE POR QUE?
- ME ACOSTUMAR COM O QUE?
- QUANDO A PESSOA É CERTA, DEPOIS DE COMER UM BOM CAJU ELA DORME QUE É UMA BELEZA. MAS SÓ GENTE DO BEM. GENTE BOA DO MUNDO. PODE VIR AMANHÃ COMER UM CAJU COMIGO LÁ NO MESMO LUGAR. - E SAIU CORRENDO.
NO DIA SEGUINTE VOLTEI AO CAJUEIRO E O MENINO JÁ ESTAVA LÁ COM O CAJU DELE NA MÃO E UM PARA MIM, EM CIMA DE UMA FOLHA SECA. SENTEI-ME AO SEU LADO SEM NADA DIZER E SUGUEI O CAJU QUE DE FATO DÁ UMA CERTA ALEGRIA INOCENTE E SOSSEGA O CORAÇÃO AFLITO. DEPOIS COMECEI A SENTIR SONO E DORMI. QUANDO ACORDEI O MENINO AINDA ESTAVA DORMINDO. QUANDO ME LEVANTEI, ELE ACORDOU DE UM SALTO E DISSE:
- VOU MERGULHAR NO AÇUDE, QUER IR TAMBÉM?
- NÃO, OBRIGADO. DEVE SER HORA DO ALMOÇO LÁ ONDE ESTOU.
- O SENHOR É MUITO VELHO?
- CLARO QUE SOU, MAS POR QUE QUER SABER?
- NÃO GOSTO DE GENTE VELHA. É GENTE RUIM. MAS O SENHOR SE FIZER O TRATAMENTO, PODE FICAR BOM.
- QUE TRATAMENTO?
- COMER EM PAZ UM CAJU POR DIA E DORMIR UM POUCO. ISSO VAI MELHORANDO AS PESSOAS. EU ERA PRA SER RUIM, MAS COMO FAÇO O TRATAMENTO TODO DIA, JÁ SOU BOM.
- POR QUE VOCÊ ERA PARA SER RUIM?
- O MEU PAI ERA RUIM E O MEU AVÔ ERA PIOR. NUNCA COMERAM UM CAJU. O MEU PAI ANTES DE MORRER MATADO, MATOU UMA PORÇÃO DE GENTE E O MEU AVÔ TAMBEM. O MEU AVÔ MATOU A MINHA AVÓ, SÓ PORQUE ELA ERA BOA. ANTES DELA MORRER ME DISSE: "PRA SE LIVRAR DO MAL QUE JÁ VEM DENTRO DE TI, VOCÊ TEM DE COMER UM CAJU POR DIA NUM LUGAR SOSSEGADO E DEPOIS DORMIR UM POUCO. O DIABO SAI DE QUALQUER UM QUE FAÇA ISSO, PORQUE ELE, SE TEM UMA COISA QUE NÃO GOSTA, É DE GENTE DORMINDO FELIZ".
DURANTE AQUELA TEMPORADA NO PIAUÍ, FIZ O TRATAMENTO DO MENINO QUE HOJE DEVE ESTAR UM HOMEM FEITO. DEPOIS DEIXEI O TRATAMENTO DE LADO E JÁ FAZ UM TEMPÃO QUE NÃO COMO UM CAJU. MAS, COMO AQUELA TEMPORADA FOI MUITO INTENSA, NÃO ME TENHO NA CONTA DE UM FACÍNORA.
HOJE, PASSADOS TANTOS ANOS, PERCEBO QUE O MUNDO DEVERIA SEGUIR O TRATAMENTO DAQUELE MENINO FELIZ. PORQUE NÃO SE TENHA DÚVIDA: AS PESSOAS QUE ANDAM PRATICANDO O MAL PELO MUNDO AFORA, SÓ TERÃO JEITO, SE CHUPAREM UM CAJU POR DIA E DEPOIS DORMIREM NO SOSSEGO. O MENINO DEVE SER HOJE UM HOMEM DE BEM, CHEIO DA MAIS GLORIOSA PAZ, ESTEJA ONDE ESTIVER.
BENDITO CAJU. BENDITO MENINO QUE NA MINHA LEMBRANÇA PERMANECE COM AQUELE SORRISO QUE ME SALVOU A VIDA NUM TEMPO DE TRISTEZA E ABANDONO. O MENINO ME LIVROU DAS DORES E DA MORTE. HOJE DARIA TUDO PARA REVER AQUELE ANJO SENTADO SOB UM CAJUEIRO, SUGANDO UM CAJU MADURO E ME ENSINANDO A VIDA DESAPRENDIDA. A SEGUNDA PESSOA MAIS IMPORTANTE DESTE RELATO É A BICICLETA QUE NEM ERA MINHA, MAS QUE ME VELOU O PRIMEIRO SONO TRANQUILO EM ANOS, ME LEVOU ATÉ O CAJUEIRO E AO SEU ARAUTO CELESTIAL.

CLÁUDIO GONZAGA.

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