Estes são alguns parentes do meu livrinho que não quis estar na foto, pois é avesso à publicidade. A sua incrivel austeridade não permite exibicionismos.
QUEM GOSTA DE LIVROS SABE: MUITAS VEZES VAMOS A UMA LIVRARIA (sebo ou não) E COMPRAMOS PUBLICAÇÕES QUE NUNCA IREMOS LER. HÁ DOIS MESES FUI A UM SEBO CHIC AQUI EM IPANEMA E COMPREI UM LIVRO QUE, TINHA CERTEZA, JAMAIS LERIA. ELE É UMA GRAÇA DE VOLUME, ENCADERNADO EM COURO MARROM NATURALMENTE, LOMBADA TRABALHADA EM ALTO RELEVO COM DESENHOS, FLORÕES, ESPIGÕES, LISTRAS E LETRAS DOURADAS. NÃO É GRANDE NEM É PEQUENO DEMAIS. TEM 312 PÁGINAS, FOI ESCRITO POR UM HENRIQUE SIENKIEWCZ, EDITADO POR TAVARES CARDOSO & IRMÃO, VENDIDO NA LIVRARIA DA EDITORA NO LARGO DO CAMÕES, NA CIDADE DE LISBOA, EM 1901 E SE CHAMA "CAVALHEIROS DA CRUZ".
AGORA UMA INFORMAÇÃO CULTURAL "IMPORTANTE": OS CAVALHEIROS DA CRUZ ERAM UMA ORDEM MONACAL, CATÓLICO ROMANA, TEUTÔNICA, COMPOSTA EXCLUSIVAMENTE DE ALEMÃES, E CONSTITUÍDA NA PALESTINA DURANTE A TERCEIRA CRUZADA EM 1190 DA ERA CRISTÃ.
AGORA ME DIGAM: É POSSÍVEL PASSAR BATIDO POR UMA INUTILIDADE DESTAS? ELE (0 livro) É UMA GRAÇA, MUITO BEM CONSERVADO, POSSIVELMENTE PORQUE NUNCA ALGUÉM O LEU, O QUE LHE CONFERE UM RECATO CABAÇUDO DE GRANDE ENCANTO MONÁSTICO. APESAR DESTE ENCANTO ELE TINHA UM AR TÃO TRISTE DE ABANDONO QUE, NA PRIMEIRA NOITE DELE EM MINHA CASA, DORMIU COMIGO (no criado mudo é claro). MESMO ASSIM, PENSO QUE DEVE TER SIDO PARA ELE MARAVILHOSO SENTIR QUE ALGUÉM FOLHEOU AS SUAS PÁGINAS VIRGINAIS, AINDA QUE DESATENTAMENTE.
AS INFORMAÇÕES QUE LHES DEI SOBRE OS "CAVALHEIROS DA CRUZ", ESTÃO EM SUA INTRODUÇÃO. AGORA, CONTO O QUE LHES VAI PARECER DELÍRIO MEU: SABE QUE DE MANHÃ O POBREZINHO ESTAVA EXALANDO FELICIDADE? POR ISSO RESOLVI MANTÊ-LO NO MESMO LUGAR POR ALGUNS DIAS. ACHO QUE NÃO HÁ LIVRO QUE NÃO SE SINTA BEM NUMA MESINHA DE CABECEIRA. É DECIDIDAMENTE UM LUGAR DE HONRA PARA QUALQUER LIVRO. O MEU, EMBORA TIVESSE A CONSCIÊNCIA DE QUE NUNCA SERIA LIDO, COMO JÁ TINHA CONHECIDO NA VIDA A MAIS COMPLETA REJEIÇÃO, CONTENTAVA-SE EM TER UMA COMPANHIA HUMANA QUE O HOMENAGEASSE DANDO-LHE UM POUSO DIGNO, MESMO QUE TEMPORÁRIO. SEI QUE CHEGADA A HORA DE DESPEJA-LO PARA UMA ESTANTE, VOU ACRESCENTAR MAIS UMA CULPA À MINHA ENORME BAGAGEM, MAS POR ENQUANTO ELE PODE FICAR TRANQUILO QUE NEM PENSO EM TIRÁ-LO DE ONDE ESTÁ. O MÁXIMO QUE VAI ACONTECER DE MAL A ELE, É QUE TERÁ DE DIVIDIR O SEU ESPAÇO COM OUTROS LIVROS, QUE SE REVEZARÃO A SEU LADO. MEU RECEIO MAIOR É QUE ELE SE SINTA ÀS VEZES HUMILHADO POR SEUS VIZINHOS NÃO TÃO ANTIGOS NEM TÃO VISTOSOS, MAS AMADOS E POR ISSO ORGULHOSOS. O MEU LIVRINHO TRISTE DE COURO MARROM NO ENTANTO, TEM SIDO FORTE O BASTANTE PARA ENFRENTAR A VIZINHANÇA ILUSTRE E VAIDOSA COM QUE TEM CONVIVIDO. A MINHA ESPERANÇA É QUE NO FUNDO, OS MEUS OUTROS LIVROS RESPEITEM A FIGURA COMOVENTE DAQUELE ANCIÃO IMACULADO QUE MERECE TODO AMOR.
CERTA MANHÃ, DEPOIS DE TÊ-LO A MEU LADO JÁ HÁ UM MÊS, DECIDI COLOCÁ-LO NA ESTANTE MAS ME FALTOU CORAGEM, PORQUE ELE ME OLHOU COM UNS OLHOS TÃO DECEPCIONADOS QUE ME DESARMOU. MEIO CONTRAFEITO PERGUNTEI A ELE:
- GOSTA DAÍ, NÃO?
ELE ME RESPONDEI QUE AQUELE ERA O MELHOR LUGAR EM QUE JÁ VIVERA. ME FALOU VAGAMENTE SOBRE A SUA SOLIDÃO DESDE JOVEM E ATÉ DE ALGUMAS CHACOTAS DE QUE FOI VÍTIMA ATRAVÉS DO TEMPO.
NOS ÚLTIMOS DIAS ME TEM BATIDO À TELHA QUE É MINHA OBRIGAÇÃO DE AMIGO, LÊ-LO. À NOITE, DEPOIS DE LER OUTRO LIVRO, CONFORTO O MEU LIVRINHO ACARICIANDO-LHE O COURO MACIO E NÃO CORO EM DIZER QUE, UM DIA DESTES, LHE DEI UM BEIJO. DEPOIS ME ARREPENDI POR PERCEBER QUE ELE FICOU EMBARAÇADO COM ESTA DEMONSTRAÇÃO QUE PODIA TER SIDO EVITADA. ESSA INTIMIDADE NÃO CONDIZ DE FORMA ALGUMA COM A SUA DIGNIDADE DE VARÃO GERMÂNICO NADA AFEITO A CARINHOS FÍSICOS COM OUTRO HOMEM. MUITO SEM GRAÇA LEVANTEI-ME E FUI BEBER UM WHISKY ENQUANTO VIA UM FILME SEM INTERESSE. AQUELE DRINK FOI SÓ PARA DAR AO BEIJO UM CARATER CASUAL. GRAÇAS A DEUS QUANDO VOLTEI PARA A CAMA ELE JÁ ESTAVA DORMINDO.
O MOTIVO DESTA COLUNA ESTAR SE OCUPANDO DA QUESTÃO É QUE ESTOU ME PROGRAMANDO PARA EMBARCAR EM SUA LEITURA ESTA NOITE. MAS UMA COISA EU GARANTO: MESMO QUE EU NÃO GOSTE, NUNCA DIREI UMA SÓ PALAVRA QUE POSSA OFENDÊ-LO. HÁ QUEM CONSIDERE QUE SE PODE TER QUALQUER OPINIÃO SOBRE UM AUTOR, MAS ESTA NÃO É A MINHA QUESTÃO. A MINHA RELAÇÃO DE AMOR COM ELE NÃO PASSA PELO TAL HENRIQUE SIENKIEWICZ, SEU CRIADOR. É O MEU PRÓPRIO LIVRINHO ABANDONADO E TRISTE QUE EU AMO, COMO A UM AVÔ QUE NOS INFUNDE RESPEITO E CERTO MEDO.
QUE LIVRINHO INFELIZ TEM SIDO O MEU. POR ANOS E ANOS VEM ROLANDO DESPREZADO POR UMA VIDA QUE CERTAMENTE NÃO O MERECE. O MEU LIVRINHO MARROM DE LETRAS DOURADAS NA LOMBADA, TEM TUDO O QUE MAIS AMO NA VIDA: É VELHO, BELO, SÉRIO, TEM ESTILO, DONAIRE E APARENTEMENTE NÃO SERVE PARA ABSOLUTAMENTE NADA.
AGORA VOU TERMINAR ESTE WHISKY, ME DEITAR E COMEÇAR A LER O MEU LIVRINHO E, PARA HOMENAGEA-LO, VOU VARAR A NOITE ATÉ A ULTIMA PAGINA, PARA ELE PENSAR QUE EU GOSTEI DA LEITURA. AGRADEÇO A DEUS POR TÊ-LO ENCONTRADO NESTA VIDA CRUEL. QUANDO EU MORRER DESEJO QUE ELE SEJA ENTREGUE AO AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA OU A OUTRO AMIGO QUE ENTENDA.
CLÁUDIO GONZAGA.
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