SEU JUQUINHA TINHA MEDO DE TUDO. PRINCIPALMENTE DE FANTASMAS QUE ELE PREFERIA CHAMAR DE AVANTESMAS, PARA TORNAR AS SUPOSTAS APARIÇÕES MAIS ASSUSTADORAS. TEMIA OUTROSSIM, O LADRÃO NOTURNO (esta espécie de ladrão desapareceu. Era assim: durante a noite, quando a família já estava dormindo, um ladrão descalço e de pés enormes, pulava uma janela, e roubava quinquilharias, coitado. Certa vez um deles roubou uma panela velha da casa de uma tal Marilena que era a mulher mais pobre do mundo). SEU JUQUINHA SÓ FICAVA SOSSEGADO QUANDO OUVIA O APITO DOS GUARDAS NOTURNOS, QUE ERAM MOÇOS MAGROS, ESQUÁLIDOS MESMO E SERIA ATÉ JUSTO DIZER QUE ERAM ESQUELÉTICOS. ANDAVAM DESARMADOS, VESTINDO FARDAMENTO ROTO, USANDO SAPATOS FURADOS NA SOLA, SEMPRE FAMINTOS, DESNUTRIDOS E SE BORRAVAM DE MEDO QUANDO OUVIAM FALAR DE GATUNOS. ERAM EMPREGADOS DA PREFEITURA E ESTA, COMETIA A DESCORTESIA DE LHES ATRASAR O ORDENADO, ÀS VEZES POR MESES SEGUIDOS. ERA O OPRÓBRIO. A GUARDA NOTURNA VIVIAM NUMA PINDAÍBA ASSUSTADORA. DE VEZ EM QUANDO, PEDIAM PÃO DURO PELAS CASAS.
POIS ESTES POBRES MOÇOS ERAM OS QUE FAZIAM O SEU JUQUINHA E TODA A CIDADE, FICAR MAIS SEGURA E DORMIR SOSSEGADA. OS LADRÕES RIGOROSAMENTE EVENTUAIS, SEMPRE DE OCASIÃO, LHES TINHAM CURIOSAMENTE UM MEDO TREMENDO E AO OUVIR O APITO QUE VARAVA A NOITE, DANDO A ELA UM AR TÃO TRISTE QUE UMA CRIANÇA SENSÍVEL COMO EU SE PUNHA A CHORAR EM SILENCIO OU CAÍA NUMA LASSIDÃO DESFALECENTE. OS LADRÕES POREM, FUGIAM AO APITO DOS MAGRELOS EM DESGOVERNADA DISPARADA, INDO PARAR SOMENTE QUANDO AS SUAS FORÇAS JÁ LHES HAVIAM FUGIDO TAMBÉM.
MAS ESQUEÇAMOS OS APITOS, A GUARDA FAMINTA, OS POBRES LADRÕES E VOLTEMOS AO MEDROSO SEU JUQUINHA, QUE TINHA OUTRAS CARACTERÍSTICAS MUITO RICAS. ELE ERA O MAIOR BANANA QUE JÁ SE AQUECEU SOB O ESCALDANTE SOL BRASILEIRO. ERA INCAPAZ DE DEMONSTRAR AO VENDEIRO DA ESQUINA O SEU DESGOSTO POR LHE SER OFERECIDO À COMPRA, UM ABACAXI VISIVELMENTE PODRE POIS TEMIA QUE O HOMEM LHE ENFIASSE A PORRADA ALI MESMO NA VENDA, DIANTE DE TODOS (uma possibilidade inexistente). JÁ EM CASA, COM AS CRIADAS QUE LHE VINHAM DO INTERIOR TRABALHAR EM TROCA DE COMIDA E TETO, ERA UM VALENTÃO. ATÉ BATIA NELAS, AJUDADO POR SUA MULHER, A CRUDELÍSSIMA E IMPLACÁVEL HERMENGARDA, QUE ERA NORA DE UMA SENHORA DE TERRAS PARA OS LADOS DE SANTA MARIA MADALENA. ESTA VELHA ERA TÃO MÁ, QUE CHEGAVA A MATAR MENINAS EMPREGADAS, SE ELAS POR UM MINUTO PARASSEM O TRABALHO NO CAMPO PARA DESCANSAR AS MÃOS DA ENXADA. DEPOIS DE MATÁ-LAS, AS ENTERRAVA NO CHIQUEIRO. AQUELAS TERRAS DESGRAÇADAS TINHAM SEMPRE UM CHEIRO DE CARNE EM DECOMPOSIÇÃO. ISSO ENTRETANTO NÃO INCOMODAVA A SÁ (corruptela de sinhá) JUCA. ESTA "MEIGA" SÁ JUCA, ERA MÃE DE SEU JUQUINHA, O MEDROSO, QUE ERA TAMBEM COMILÃO. AQUELE RATO ENTRE OUTRAS COISAS COMIA COMO UM LOBO E AO SER CONVIDADO PARA AS BODAS DE ALGUM CASAL, SABENDO QUE SERIA OFERECIDO UM JANTAR, FAZIA TRÊS DIAS DE JEJUM, PARA NA FESTA, SE EMPANTURRAR ATÉ PASSAR MAL. ERA CAPAZ DE COMER UM LEITÃO INTEIRO SOZINHO, SEM FALAR NA FAROFA NEM NAS EMPADINHAS, BOLINHOS DE BACALHAU, TORRESMOS, RISOLES, PASTEIS, COXINHAS, CROQUETES DE TUDO, BOLOS RECHEADOS E DOCINHOS EM GERAL. NÃO BEBIA NADA, SÓ GUARANÁ. TINHA POR QUEM FAZIA USO DE BEBIDA ALCOÓLICA, O MÁXIMO DESPREZO. ACHAVA O ATO DE BEBER UMA INDIGNIDADE, AINDA QUE FOSSE APENAS UM COPO DE VINHO.
VESTIA-SE SOMENTE DE TERNO DE LINHO BRANCO E USAVA LENÇOS O TEMPO TODO. TRAZIA VÁRIOS EM CADA BOLSO, PARA ENXUGAR OS SEUS SUORES ABUNDANTES E FÉTIDOS. ERA CALVO E A SUA TESTA NA PARTE EXTERNA, ERA SEMPRE BRILHANTE. DIGO NA PARTE EXTERNA, POR QUE POR DENTRO, TUDO LHE ERA FOSCO, ESCURO E SEM VIDA. SEU JUQUINHA ERA SEM DÚVIDA UMA CAVALGADURA. NINGUEM FOI MAIS NÉDIO DO QUE O SEU JUQUINHA. QUANDO VOLTAVA DAS FESTAS, RESFOLEGANDO PESADÃO, ESMOENDO A COMILANÇA QUE AZEDAVA EM SEU ESTÔMAGO CHEIO DE GASES, VINHA NUM CALHAMBEQUE DIRIGIDO POR SEU FILHO E SE DIVERTIA ATIRANDO PEDRAS, PREVIAMENTE SEPARADAS, NAS CRIANÇAS POBRES QUE ENCONTRAVA PELOS CAMINHOS. O FILHO DELE, MUITO SECO E FEIO, DIRIGIA O CALHAMBEQUE COM PERÍCIA, LOUCO PARA CHEGAR EM CASA, POIS ELE PERTENCIA A UMA IGREJA QUE O OBRIGAVA A DAR UMA SURRA DE VARA DE MARMELO, POR DIA, NA CRUDELÍSSIMA HERMENGARDA, SUA MÃE. AQUELA MULHER MÁ VIVIA TODA LANHADA E TINHA MUITO ORGULHO DISSO, POIS ERA UMA DEMONSTRAÇÃO DAS VIRTUDES RELIGIOSAS DO FILHO. A NOVIDADE DAQUELA IGREJA INSTALADA NOS FUNDOS DE UMA QUITANDA, ERA QUE ELA COMPREENDIA DEUS COMO UMA PROSTITUTA PÉRFIDA E VINGATIVA. UMA PUTA VELHA SEM CORAÇÃO, INCAPAZ DA MISERICORDIA.
AQUELA ERA REALMENTE UMA FAMÍLIA MUITO MARCANTE PARA UMA CRIANÇA ENSIMESMADA COMO EU, QUE AMAVA SOBRETUDO OBSERVAR CALADO OS ADULTOS E AS SUAS ESQUISITICES IDIOSSINCRÁTICAS. OS DENTES DE SEU JUQUINHA ERAM ENORMES E, ASSUSTEM-SE, ELE ERA SORRIDENTE. UM SORRISO TÃO CRUEL, QUE DAVA NOJO. GENTE UM POUCO MAIS SENSÍVEL, AO VÊ-LO SORRIR, VOMITAVA IMEDIATAMENTE.
QUANDO NO MEIO DA NOITE SE OUVIA NO VELHO CASARÃO EM QUE MORAVAM UM RUÍDO INDETERMINADO, ELE, TODO TREMULO, COBRIA O ROSTO COM O TRAVESSEIRO E MANDAVA A MULHER VER O QUE ERA. NUNCA ERA NADA. OU POR OUTRA: ERAM SEMPRE RATOS A COMER OS FARELOS DE BOLO QUE A FAMÍLIA DEIXAVA SOBRE A MESA DA COZINHA. PODIAM SER TAMBÉM MANGAS PODRES CAINDO DAS MANGUEIRAS SOBRE O TELHADO. AS MANGAS DO QUINTAL, COMO NUM ATO DE REVOLTA POR ESTAREM NAQUELA CASA, APODRECIAM ANTES DE AMADURECER E SE ATIRAVAM FURIOSAS NO TELHADO DURANTE AS NOITES. AS MANGAS QUANDO QUEREM, DEMONSTRAM A SUA SABEDORIA.
NO DIA DO ENTERRO DE SEU JUQUINHA NÃO APARECEU NINGUEM. REALMENTE ELE FICOU UM DEFUNTO MEDONHO. MILTON, UM PARENTE DELES TALVEZ (não posso ser preciso sobre este parentesco), QUE TINHA A PAIXÃO DO JOCOSO, VIU O SEU JUQUINHA MORTO E NUNCA ENCONTROU PALAVRAS, EM MAIS DE TRINTA ANOS, QUE FOSSEM ADEQUADAS PARA DESCREVER A FIGURA DO SEU JUQUINHA NO CAIXÃO. E SAIBAM QUE O MILTON ERA BOM COM PALAVRAS. O MÁXIMO QUE ELE, PODIA ADIANTAR, É QUE ATÉ MESMO DONA HERMENGARDA, AO OLHAR PARA O MARIDO MORTO, VOMITOU EM CIMA DELE, SAIU DA SALA CORRENDO E FOI SE ESCONDER NUM MATAGAL QUE FICAVA NO FIM DA RUA. QUANDO OS FUNCIONÁRIOS DA FUNERÁRIA CHEGARAM E VIRAM O SEU JUQUINHA, COMEÇARAM A DIZER OS PIORES PALAVRÕES E A FAZER GESTOS OBSCENOS, INTEIRAMENTE CONTRÁRIOS À DECÊNCIA E AO PUDOR QUE UM FUNERAL MERECE, EM TESE.
MANDA-ME A PRUDÊNCIA QUE FIQUEMOS POR AQUI.
CLÁUDIO GONZAGA
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