domingo, 21 de março de 2010

A SÃO PAULO QUE ME DIVERTE!




















Não sei se alguma vez já lhes disse que na verdade gosto mais da cidade de São Paulo do que de qualquer outra cidade brasileira. Não? Pois então digo agora e explico porque. Em São Paulo acontecem as melhores e mais divertidas coisas que um sujeito sem rumo como eu pode desejar. Por exemplo, foi lá que conheci um descendente do Marques de Pombal que lhe tinha horror porque o Marques tinha fama de ladrão e além disso era muito feio. Este que conheci,chamava-se Fernando e com o sobrenome de Carvalho e Melo, vivendo em comunidade portuguesa, ficava difícil negar a sua descendência. O pobre Fernando sofria horrivelmente por causa disso. Agora me diga uma coisa: em que outra cidade do mundo se pode encontrar uma pessoa com um problema deste? Ninguem pode imaginar quantas noites tive de ouvir as queixas do Fernando, a reclamar da vida, porque o seu ancestral feio prejudicava a sua vida sentimental.
- O pior - dizia o rapaz - é que lançaram praí uns cigarros em maço, que lhe tem a cara estampada (ele falava com um leve sotaque lusitano).
- Mas não te importes com isto, ó pá! - respondia eu.
- Importo-me, que não gosto de ser parente de ladrão e ladrão feio!
E bebia mais e mais copos de vinho entremeados com cálices de genebra. Em pouco tempo estava completamente bêbado a maldizer a cidade, o pais, o continente, a Península Ibérica, o terremoto de 1755 em Lisboa, a Hebe Camargo, o Fernando Henrique, o Lula, os navegadores portugueses, todos os políticos brasileiros e a sua mãe, dona Sophia, que estava vivendo um problema tambem curioso. Veja que ela desde mocinha tomara pavor a gente morta, pois vira a avó deitada no caixão e a levar a serio o que ela dizia, a tal senhora deu uma defunta realmente medonha. Aquela imagem marcou a vida de dona Sophia para sempre. Ora, tendo a dona Sophia adoecido há uns meses, tivera uma parada cardíaca, mas fora socorrida a tempo e foi salva a sua vida. Só que isso não deu nenhum sossego a velha senhora, pois como tinha medo de mortos, quando soube que o seu coração deixara de bater e os aparelhos adequados a ressuscitaram, passou a ter medo de si própria. Espinafrava médicos, enfermeiros, atendentes, o filho e todos os que dela se aproximavam. "Não deviam me trazer de volta! E agora? Como é que vou passar o resto da vida sem poder ficar um só minuto sozinha sem estar o tempo todo arrepiada de medo?! Pois se nem dos santos gosto por estarem eles mortos, que é que vou fazer"? Era com este barulho que a família e os amigos tinham de dormir e ficar acordados noites inteiras, velando a dona Sophia que se julgava morta e tremia.
Um dia, tendo os parentes mais o que fazer, aproveitaram que a "morta" dormia depois do almoço e saíram para tocar as suas vidas. Mesmo o Fernando saiu e foi ao museu olhar o retrato do Marques de Pombal para ver se encontrava em sua fisionomia algo que indicasse algum sinal de beleza. Na verdade, vivia fazendo isso. Era uma obsessão. Voltava sempre muito abatido, pois não encontrava no rosto do Marques o que fora procurar.
Bem, a velha acordou e quando não viu ninguem a seu lado, disparou para a rua a gritar por socorro:
- Me acudam em nome de Jesus Cristo! Que sina desgraçada a minha! Eu sou um cadáver! Uma mulher morta que caminha pelas ruas da Barra Funda a assustar as crianças! Socorro! Policia!
Juntou logo gente à sua volta e se divertiam com a cena inusitada. Ela, apavorada, fingindo ser uma assombração investia sobre o povo com os braços abertos como um avião em vôo rasante, correndo fazendo assim:
- ÚÚÚÚÚÚÚÚÚÚÚÚÚÚÚÚÚ!!!!!!!!!
As pessoas sem entender o que estava acontecendo recuavam assustadas, porque a dona Sophia estava de fato com uma palidez cadavérica. Alguem então sugeriu que se chamasse um socorro médico, uma ambulância. Ela entretanto gritava:
- NÃO FAÇAM ISSO PELO AMOR DE DEUS!!! Eu quero morrer de uma vez. Não aguento mais ter morrido e continuar andando por aí, escovando os dentes, tomando banho, fazendo xixi, cocô, comendo sardinhas na brasa, bacalhau de forno, pataniscas, e estas coisas que são boas quando a pessoa está viva! Mas eu, meus senhores, sou uma mulher morta e tenho medo de mim mesma! Olhem como estou arrepiada de medo! Alguem pode imaginar o suplicio de uma pessoa que tem medo de defunto, ser um cadáver ambulante?
- Mas como podemos ajudar senhora? - perguntou uma vendedora de verduras que passava, com um forte sotaque português também, empurrando uma carrocinha.
Sim, porque a dona Sophia tinha um sotaque tão lusitano que muita gente se sentia ofendida ao ouvi-la, porque ela falava português com o acento do norte de Portugal, o que não é brincadeira.
- Matem-me! Ah, matem-me que já não me aguento de medo! - e chorava copiosamente a pobre senhora.
- Pois tome lá! - a verdureira arremessou-lhe uma pedrada na testa que só não a matou porque aquele não era o dia da dona Sophia.
A infeliz Sophia de Carvalho e Melo, tetraneta do Marques de Pombal, caída no asfalto sujo da Barra Funda, perguntava com o rosto cheio de esperança:
- Será que deu certo? Agradeço muitíssimo à patrícia. Muito obrigada de coração...
- Olha eu sinto muito mas a senhora não morreu não. Ainda não foi desta vez.Desculpe - disse muito passada a verdureira e foi saindo de fininho.
E a avó do Fernando, revoltada:
- Volte cá, desgraçada! Dá-me uma paulada na cabeça! Alguem aí tem um pedaço de pau? Por caridade quem tem um punhal? Uma faca, um canivete? Eu só não me mato, porque sou católica e a Igreja não permite o suicídio. Sem isso... Atirava-me de cabeça àquele muro de pedra! Àquele amoroso muro de pedra! O lugar mais doce e convidativo que já vi. Deve ser bom morrer dando cabeçadas nele. Pois está decidido: mando às favas a Igreja e arremeço-me.
Levantou-se e saiu correndo em direção ao muro fazendo o seu escandaloso ÚÚÚÚÚÚÚÚÚÚ, mas de nada adiantou o seu arroubo. Ela permaneceu vivinha da Silva, deitada sob o muro de pedra que ficou manchado de seu sangue.
De repente o Fernando apareceu e levou a mãe para casa. Ela estava de fato bem estropiada. Quando viu o filho, levantou-se de um salto e foi ao seu encontro a queixar-se de ter sido abandonada sozinha. O meu amigo, muito perturbado, assim que chegou à casa, deu um banho na mãe e a pôs para dormir.
Dona Sophia com a graça de Deus nunca acordou daquele sono tão desejado. Bem, neste caso e sendo assim, logo no dia seguinte ao funeral da mãe o Fernando pode se dedicar exclusivamente à sua questão relacionada com Sebastião José de Carvalho e Melo o Marques de Pombal, causa de sua infelicidade neste mundo.
Agora me digam: é possivel ser feliz fora de São Paulo? Não é de hoje que afirmo diariamente que a cidade de São Paulo tem um sabor diferente, como diz o samba canção do Bororó ("Da Cor do Pecado"). Quando estou no Rio, só me fico triste, vendo a decadência de Ipanema que tem como símbolo, a incrível estação General Osório do metrô que, para se crer, só vendo. Será que não bastava o pirocão do Bar Vinte?

CLÁUDIO GONZAGA.

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