A Luciana era proibida de atender telefone, pois seu pai dizia que ela não possuía juízo para fazê-lo. Era uma família protestante, de denominação pouco conhecida, que seguia regras religiosas incrivelmente intolerantes. As mulheres eram obrigadas a usar vestidos pelas canelas, de mangas compridas, sem decote. Por debaixo, nada de "lingeries". Faziam suas calcinhas e "soutiens" em industria caseira, sem preocupação alguma com estética. Uma mulher que usasse uma roupa íntima bonita, era considerada puta. Porem, se a coitada as usasse aplicadas de rendas, passava à condição de rameira, um grau acima de puta; se cumprimentasse um homem casado, passava a meretriz, um posto ainda mais alto; se usasse alguma pintura no rosto, passava a condição de "vagaputarrametriz". Palavra composta, criada para definir melhor a situação de desavergonhamento em que andava metida a usuária "daquele horror". O posto de "vagaputarrametriz", era o grau mais alto da putaria. Uma espécie de demonio. Se dependesse daquela família, o diabo morreria de fome. Pois a Luciana foi dar o azar de nascer justamente ali. Justo ela que já chegara ao mundo cheia de um tesão incontrolável. A proibição de atender telefone veio por ocasião de seu aniversário, quando o aparelho tocou e ela, na comichão dos seus quinze anos, com os seios duros de desejo, atendeu dengosamente assim: "alhôôôôôôôuuu...? Com queim desexxa falááá? A Luciana de fato exagerou no dengo. A sua mãe, diante daquela demonstração de gatisse e assanhamento, tirou o fone de sua mão e o seu Agenor, seu pai, vestido de preto, num luto fechado por alguém que pudesse morrer de repente, surpreendendo a todos a qualquer momento, baixou a proibição:
- Nesta casa, a partir de hoje, só quem pode atender telefone sou eu. Isso aqui não é lupanar, para que vozes de meretrizes atendam, se oferecendo para fornicar com o primeiro safado que, distraído, errar o número e a ligação cair aqui.
Apontando para a Luciana, disse com um tremor de ódio na voz de baixo profundo:
- Esta ordinária já começou a ser tentada pelo inimigo e, se não ficarmos alertas, em uma semana será mulher perdida, caída no mundo, rolando pela sarjeta com toda espécie de homens.
Ao ouvir isso, a Luciana, que era indiscutivelmente belíssima, deu um gemido de gozo e ali mesmo, diante de todos, teve um orgasmo, cheio de gemidos profundos de prazer. Pensaram que aquela tremedeira fosse um "ataque" qualquer de gente tomada pelo príncipe das trevas. A família toda diante daquilo, se pôs em oração, cantando hinos de louvor a Deus. O bolo de aniversário foi jogado no lixo, pois o seu Agenor, considerou subitamente que, comê-lo, seria um pecado para o qual não poderia haver perdão.
O seu Agenor não era - convém dizer - um filho da puta qulquer, saído do nada. Ele era principalmente um sujeito sem preparo religioso algum. Mal sabia ler e por isso, como achava bonito citar a Bíblia a toda hora, mesmo sem conhecer o seu conteúdo, inventava normas rígidas, supostamente tiradas do novo e do velho testamentos, citados sem critério e sem leitura. Por exemplo, no meio de uma conversa a respeito de qual seria a hortaliça mais nutritiva, saia-se com este primor, num tom de púlpito: "na epístola aos romanos capítulo 8, versículo 31, Daniel diz que não se deve comer alface aos sábados, pois faz mal aos olhos, além de ser pecado abominável".
Como nada disso correspondia a coisa alguma nos textos sagrados, só podemos deduzir que ele nunca lera as escrituras, é claro. Apenas gostava, na sua ignorância, de bancar o pregador. Achava isso lindo. Era só um tolo se fazendo de besta. Não era mau, porem.
No dia em que começa o nosso relato, a Luciana já havia feito dezesseis anos e a sua virgindade já tinha sido "resolvida" pelo Zé jumento, um camarada feio da redondeza que tocava bem o violão, e tinha um lábia extraordinária, quando o caso era cantar mulheres. Tinha essa vocação. O danado era feio, burro, sem nada a seu favor na opinião dos homens, mas no que dizia respeito à mulheres, saia-se extraordinariamente bem. Mesmo e principalmente as casadas e virgens, caiam de modo voluntário nos seus encantos incompreensíveis. Mas não foi preciso muito para convencer a Luciana a ir com ele a um promontório, em cima do qual, ficava o convento das Carmelitas Descalças, que mesmo sem sapatos, gostavam de ver o Zé jumento em ação, encostando as suas "vítimas" de encontro a uma velha mangueira. Algumas vezes, durante a foda presenciada, caiam mangas ao redor. Pois não é que as freiras vinham apanhá-las e as chupavam sentadas debaixo da árvore, lambuzando-se daquele suco divino, enquanto olhavam de perto o coito resfolegante?
O seu Agenor, percebendo que a filha tinha um fogo danado sob a saia, ou dentro das calcinhas, para ser mais exato, resolveu casa-la com um sujeito da igreja. Escolheu um seu amigo muito burro, que o achava um sábio, pelas frequentes citações que fazia da bíblia. Isso confirma o que disse Boileau, ao afirmar: "todo tolo tem um ainda mais tolo que o admira". O noivado correu sem tropeços, até o dia do casamento, quando à noite, no leito nupcial, o noivo burro percebeu que a Luciana já não era virgem. Mandou que ela se vestisse e a levou de volta à casa dos pais, devolvendo a mercadoria apresentada como nova, quando já era de segunda mão.
Seu Agenor indignado, expulsou-a de sua casa e a Luciana, deslumbrada, foi trabalhar na zona.
Um ano depois a bela Luciana convidava para uma grande festa que celebrava o seu novo casamento com um riquíssimo velho alemão que, de passagem pelo Brasil, foi a um rendez-vous em Ipanema no Rio de Janeiro, conheceu-a, gostou daquela pele quente e morena, tirou-a da zona e lhe propôs casamento.
O seu Agenor relutou, mas acabou aceitando a linda casa que a Luciana lhe ofereceu de presente, antes de partir para Berlim, onde se tornou atriz, cantora e puta amadora de grande sucesso. Com o passar do tempo ela, muito rica, se fez mulher de gosto apurado e isso a tornou ainda mais bonita, muito agradável, elegante e fina. As feministas lhe tinham horror. Entretanto, feliz, ela as amava e as ajudava em suas campanhas confusas. Quando ficou viúva, dez anos depois de ter ido para a Alemanha, disse durante o velório do marido, que era um magnata do aço, na presença de gente de altos coturnos, num alemão de primeira ordem: "A ÚNICA COISA DA VIDA QUE VALE A PENA É O SEXO. O RESTO, NÃO RECOMENDO. FORA DA HONESTIDADE DO DESEJO ANIMAL, SÓ HÁ HIPOCRISIA E PRECONCEITO". Esta declaração, algo imprópria para um funeral, foi publicada em vários jornais europeus e agradou a todos. Dizem que em Berlim, depois da declaração da Luciana, a vida íntima daquela gente melhorou muito. Encontram-se até pessoas felizes por lá.
Antes que eu me esqueça, preciso dizer que o seu Agenor, com a mesada que recebia da filha, tornou-se um sátiro, incrivelmente devasso, perfeitamente luxurioso e é conhecido nas paradas como Gegê Garanhão. Tem mais do que vinte mulheres. Quanto à mãe da nossa heroína, só admite em sua cama rapazinhos de no máximo vinte anos, que sejam bem dotados. Sabe que ela tem uma enorme freguesia?
CLÁUDIO GONZAGA.
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